Como funciona uma SAF? A Sociedade Anônima de Futebol

14/11/22

Recentemente, um assunto diretamente ligado ao direito societário tem tomado conta dos debates no meio futebolístico, trata-se das Sociedades Anônimas do Futebol – as SAF.

Instituídas pela Lei n. 14.193/2021, a SAF inicia um novo modelo de organização dos clubes, tentando cumprir a função de garantir uma melhor organização e governança dos times brasileiros.

Botafogo e Cruzeiro já haviam instituído sua SAF e vendido participação para investidores e, segunda-feira, dia 21 de fevereiro, foi a vez do Vasco da Gama, que tornou pública a assinatura de memorando para a venda futura de 70% de sua pessoa jurídica para o grupo 777 Partners, pelo valor de R$ 1,7 bilhão – até então, a maior operação financeira da história do futebol brasileiro.

Deixando de lado a euforia das torcidas, cabe uma análise da Lei n. 14.193/2021, que regulamenta as SAF, que aparentemente, se tornarão muito comuns no mundo do futebol.

1. Como era e como será:

Os times de futebol, historicamente, se organizaram como associações sem fins lucrativo, sendo, portanto, impedidos de distribuírem lucros aos seus associados.

Dessa forma, a possibilidade de passarem a se organizar sob o modelo de uma sociedade empresarial representa uma ruptura com o passado e o início de uma nova era no futebol brasileiro.

Com a Lei n. 14.193/2021, os clubes – assim entendido como uma associação civil dedicada à prática de futebol – poderão constituir uma SAF a partir da transformação do próprio clube em uma sociedade; ou pela cisão do departamento de futebol, criando então um CNPJ, para o qual será transferido o patrimônio relativo à atividade do futebol; e, por fim, pela iniciativa de pessoa jurídica ou natural, ou um fundo de investimento.

Até o momento, os times brasileiros que optaram pela transformação se utilizaram do modelo da cisão, dividindo o clube, instituição civil sem fins lucrativos, e a Sociedade Anônima do Futebol, instituição empresarial.

Assim, todos os direitos e obrigações que o clube detinha em relação à atividade do futebol, tal como o direito de imagem, relações contratuais com atletas e direito de participação em ligas, serão transferidos à SAF. Contudo, a lei ressalvou o direito do clube de vetar algumas decisões da SAF que possam implicar em alteração substancial à identidade do clube, como, por exemplo, a mudança de denominação ou de sede.

Uma vez constituída a Sociedade Anônima, serão emitidas ações ordinárias da classe A, que serão vendidas à pessoa física ou jurídica ou fundo de investimento que assumirá o controle do futebol. Nada impede, todavia, que algumas dessas ações sejam ofertadas a pessoas naturais, que poderão compra-las individualmente, ou, ainda, que sejam ofertadas na bolsa de valores.  

Contudo, mesmo com a venda dessas ações, o clube manterá certos direitos de manifestação sobre temas sensíveis, para assegurar a tradição e culturas do clube.

Mas, talvez, a grande felicidade do legislador tenha sido entender que o problema do futebol passa pela gestão (muitas vezes amadoras) dos clubes. Portanto, a Lei n. 14.193/2021 trouxe também diversas regras que buscam profissionalizar o dia a dia dos clubes, instituindo, por exemplo, a exigência de criação de estrutura de governança e responsabilização dos gestores.

2. A Responsabilidade pelas dívidas anteriores e o Regime Centralizado de Execuções

Apesar do mercado do futebol movimentar quantias altíssimas, é normal encontrar clubes de primeiro escalão afundados em dívidas e operando em déficit por anos a fio, sufocando o caixa e inviabilizando a formação de times competitivos.

Assim, a ideia de iniciar um novo CNPJ para a sociedade anônima, livre de dívidas, é uma tentativa de dar mais credibilidade ao comando do futebol, evitando que penhoras sejam realizadas, inviabilizando a administração, e facilitando a busca por recursos.

Contudo, não seria justo que credores que estão esperando receber seus pagamentos fiquem à mingua, enquanto o devedor abre mão do carro-chefe da associação, que passa a receber investimentos milionários no futebol. Assim, a Lei n. 14.193/2021 assegurou uma maneira de pagamento indireto, por meio da destinação de recursos mensais da SAF ao clube, para que este responda pelas dívidas que assumiu.

Trata-se de um regime mais simplificado de dívidas, chamado de Regime Centralizado de Execuções, que consiste na concentração em apenas um juízo de todas as execuções, pagamentos e distribuições entre os credores. Isso significa, na prática, que o clube poderá direcionar todos os pagamentos em apenas um canal, pagando os credores de forma sistémica e organizada.

A nova Lei impõe que a SAF deverá destinar ao clube 20% das receitas correntes mensais e 50% dos dividendos ou qualquer outro tipo de remuneração dos acionistas, que, por sua vez, os destinará ao Regime Centralizado de Execuções. Dessa forma, a SAF assumirá o pagamento indireta das dívidas.  

Enquanto o acordo estiver sendo cumprido, será vedada qualquer tipo de constrição (como penhora) ao patrimônio da pessoa jurídica relativas a dívidas anteriores à constituição da SAF.

Para finalizar esse tema, vale dizer que a Lei também deu ao clube o poder de decidir, “a seu exclusivo critério”, pagar suas dívidas pelo método do regime centralizado de execuções ou por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, hipótese em que se sujeitará aos termos da Lei n. 11.101/2005.  

3. Tributação Específica do Futebol

Mesmo antes da Lei n. 14.193/2021, alguns clubes de menor expressão já se organizavam como sociedades empresariais, adotando, costumeiramente, a sociedade limitada como modelo de negócio.

Acontece, que com esse modelo, havia incidência de tributação que ultrapassavam os 30%, destruindo a capacidade competitiva do clube-empresa.  

Assim, para tornar viável a transformação, a Lei da SAF instituiu um regime específico de tributação para o futebol que funcionará da seguinte forma: nos cinco primeiros anos, a SAF pagará, mensalmente, um tributo único (englobando IRPJ, CSLL, e outras contribuições), à alíquota de 5% das receitas mensais recebidas; mas, a partir do sexto ano, a alíquota passará a ser de 4%, mas além das receitas mensais, passará a incidir também sobre a venda de jogadores.

4. Conclusão

É claro que todo esse movimento ainda é muito recente, poucos clubes aderiram e, mesmo os que já fizeram, ainda estão finalizando os contratos, lidando com seus procedimentos internos para autorizar a venda. Provavelmente muitas questões ainda serão judicializadas e ainda levará um tempo para que as inovações trazidas pela Lei n. 14.193/2021 serão testadas.  

Mas ao que parece, a instituição de Sociedades Anônimas do Futebol será uma boa saída para clubes tradicionais do Brasil, que estão afundados em dívidas e em meio a cenários políticos conturbados, de se reestruturarem, criando uma base de governança sólida e atraindo investimentos estrangeiros.

Contudo, apenas com o passar do tempo poderemos afirmar se a Lei n. 14.193/2021 será mais uma das tentativas frustradas de modernização do futebol brasileiro ou se – com o perdão da expressão – vestirá a camisa 10 para liderar as mudanças nesse novo cenário.  

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Você pode ler a Lei n. 14.193/2021 na íntegra, clicando aqui.

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