Análise do Marco Legal das Startups

2/3/22

No dia 19 de outubro de 2020, o Projeto de Lei nº 249/20 – alteração da PLP 146/19 – foi assinado pelo Presidente da República e encaminhado ao Congresso. O Projeto institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador no país.

O marco das startups teve, em sua maior parte, embasamento na Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e seus princípios norteadores, como a garantia da liberdade no exercício de atividades econômica e a boa-fé do particular perante o poder público. Contudo, trouxe, também, algumas previsões que merecem atenção.

Bom, o marco legal das startups surgiu, como quase todas as leis, com boas intenções e da necessidade de se trazer segurança jurídica às novas relações advindas do dinamismo de modelo de negócio dessas empresas e, também, para fomentar a inovação no país. Os principais objetivos da PL são:

  • Simplificar a criação dessas empresas;
  • Estimular o investimento em inovação e fomentar a pesquisa e desenvolvimento;
  • Facilitar a contratação de soluções inovadoras pelo Estado;
  • Regulamentar o ambiente regulatório experimental.

A princípio, a existência de uma lei que regulamente empresas que têm como principal característica o seu rápido desenvolvimento e dinamismo justamente, via de regra, por embarcarem em ambientes não regulados, pode soar um pouco contraditório. Mas, como já comprovado, medidas que enfatizam e corroborem com a liberdade econômica melhoram a economia de um país e, na maioria da sua abordagem, a PL enfatiza a garantia da liberdade no exercício de atividades econômica.

Primeiramente, antes de adentrar na análise do Marco Legal, vale ressaltar que este não abordou questões tributárias e trabalhistas discutidas anteriormente e muito esperadas, que incluíam, dentre outras: a possibilidade de sociedades anônimas (SA) usarem o regime tributário do Simples; compensação dos tributos de ganho de capital para investidores anjo; prorrogação do contrato de trabalho por prazo determinado; e o contrato de vesting, por exemplo.

Abaixo, segue um breve resumo das novidades trazidas pela lei:

1 - Enquadramento de empresas na definição de startups

O Marco, em seu art. 3º, traz que startups são organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

A PL conceitua startups de modo diferente do trazido pela LC 167/19 (art. 65-A, § 1º), a qual conceitua startup como sendo uma empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos e que se desenvolvem em ambientes de extrema incerteza. O detalhe é que não há na LC 167/19 qualquer menção ao estágio da operação da empresa, ou seja, o marco legal da startup restringiu, no aspecto temporal, o conceito de startups.

Além disso, o Marco traz outros requisitos para esse enquadramento:

  • ter faturamento bruto anual de até R$ 16.000.000,00 no ano-calendário anterior ou de R$ 1,3 milhão multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a um ano independentemente da forma societária adotada – mais abrangente do que o previsto na LC 167/19, que é cabível apenas para ME e EPP (faturamento de 360,000 a 4,8 milhões);
  • ter até seis anos de inscrição no CNPJ – limitação temporal;
  • atendam a um dos seguintes requisitos, no mínimo: declaração, em seu ato constitutivo ou alterador, de utilização de modelos de negócios inovadores; ou enquadramento no regime especial Inova Simples – Na LC 167 bastava as iniciativas empresariais se autodeclararem startups.

Além dos requisitos taxativos para que uma empresa seja enquadrada como startup, o parágrafo 3ª (artigo 3º) do Marco trouxe uma possibilidade preocupante. De acordo com o dispositivo, os editais públicos e instrumentos similares divulgados pela administração pública poderão estabelecer limites diversos dos estipulados no próprio marco referente ao tempo (idade da startup) e do faturamento máximo exigido. Apesar desse item respeitar a liberdade de pactuação entre as partes, vale lembrar que não estamos falando de contrato entre particulares e, sim, de contratos com a administração pública. Logo, isso pode causar uma assimetria na estipulação dos requisitos pela entidade contratante, podendo, inclusive, ter entendimentos mais rígidos do que os previstos nesse projeto.

2 - Diretrizes de investimento em inovação

Na parte do Marco Legal que traz sobre instrumentos de investimento e inovação (art. 4º), o dispositivo discorre sobre o que já acontece na prática - mesmo que por engenharia contratual - qual seja, a possibilidade de os aportes não integralizarem o capital social da empresa. Além disso, elenca, de forma exemplificativa, os instrumentos utilizados para aportes de capital (contrato de opção de subscrição de ações ou quotas; contrato de opção de venda de ações ou quotas; debentures conversíveis; mútuo conversível, entre outros).

Ainda, o art. 6ª da PL buscou trazer segurança jurídica aos investidores ao destacar que estes não serão considerados sócios das empresas beneficiárias do investimento e, também, que não possuirão direito à gerência ou voto da administração da empresa, mas que poderão participar das deliberações em caráter consultivo, conforme praxe do mercado. Por fim, o projeto menciona que os investidores não responderão pelas dívidas das empresas, tampouco caberá a eles a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil e na CLT, exceto em caso de dolo, fraude ou simulação. Mudança positiva, pois, apesar de ser possível conseguir essa segurança com a utilização correta de certos instrumentos contratuais, a disposição expressa na lei não deixa dúvidas e gera mais segurança aos investidores.

Vale dizer que a maioria das diretrizes trazidas pelo Marco para a proteção dos investidores foram complementos à Lei Complementar 155/16 – Lei do Investidor Anjo, como o aumento do prazo de 5 para 7 anos para os investidores receberem o valor aportado na empresa e a expressa estipulação de que deliberações em caráter estritamente consultivo feitas pelos investidores não os configura sócios. A diferença é que o marco estende aos outros contratos e formas de investimento e não se limita ao contrato de participação, previsto nesta Lei Complementar.

Bom, a regulação do contrato de participação (investidor anjo) não fez com que esse instrumento contratual fosse o mais utilizado, pelo contrário, arrisco dizer que é o menos utilizado por investidores. Atualmente, o contrato de mútuo é o mais utilizado no âmbito de investimento em startups e isso se dá justamente por não ser excessivamente regulado e fornecer às partes liberdade de pactuação. Fica o questionamento: estipular diretrizes contratuais é eficaz?

3 - Fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação

Esse quesito veio com novidades. Também com o intuito de destravar capital para o ambiente de inovação, o marco legal possibilita que Fundos de Investimento em Participações - Semente (FIP) possam investir em startups.

O FIP (Instrução Normativa 391 da CVM)é um investimento em renda variável estabelecido sob a forma de condomínio fechado, em que as quotas são resgatadas apenas ao término de sua duração ou quando deliberado em assembleia a sua liquidação. O FIP pode ter participação em companhias limitadas com receita bruta anual de até 16 milhões de reais, razão pela qual, provavelmente, fora estipulado este teto para enquadramento de empresas consideradas startups.

Esta questão merece atenção, uma vez que, o fundo, via de regra, participa do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e até na gestão da empresa e isso, claramente, confronta com a proteção ao investidor elencada no art. 7º do Marco, restando para a Comissão de Valores Mobiliários - CVM estabelecer em regulamento as regras para aporte de capital em empresas startups.

4 - Programas de ambiente regulatório experimental

O ponto da PL que trata de programas de ambiente regulatório experimental foi, pode-se dizer, o que mais se amparou nos princípios trazidos pela Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) e o seu princípio norteador da livre iniciativa. Ele trouxe a possibilidade de órgãos reguladores estabelecerem “sandboxes”, ou seja, ambientes regulatórios experimentais onde há flexibilização de algumas exigências legais, o que proporciona uma maior liberdade para ambientes de experimentação de novos produtos e serviços, como acontece nas startups.

Critérios para seleção ou qualificação, duração e alcance da suspensão da incidência, além das normas específicas ficarão sob responsabilidade das entidades da administração pública responsável pela regulamentação setorial em que a startup atua ou atuará. O que não pode acontecer é, como dito anteriormente, o enrijecimento das normas por essas entidades, o que inviabilizaria, na prática, o previsto no art. 9º da PL.

5 - Contratação de soluções inovadoras pelo estado

Em sua maior parte, o texto do Marco Legal foi destinado à regulação de um regime de contratação diferenciado pelo Estado no que diz respeito às necessidades que exijam soluções inovadoras e com emprego de tecnologia.

O Marco prevê que os processos licitatórios dessas empresas serão realizados exclusivamente e somente por startups (individual ou consórcio), as quais deverão indicar o problema que pretende resolver e, também, indicar os resultados esperados (dispensa indicação técnica).

As startups vencedoras do processo licitatório especial celebrarão contrato público para solução inovadora (CPSI) com vigência limitada a um ano, podendo ser prorrogado por outros 12 meses e, ainda, uma vez encerrado o contrato, será possível celebrar com a mesma empresa um novo contrato com duração máxima de 2 anos, prorrogáveis por até 24 meses.

O ponto de atenção, sem dúvidas, está no art. 11, § 11 da PL que traz a possibilidade de a administração pública contratar em preço superior à estimativa, desde que devidamente justificado e desde que seja superior em termos de inovação. Contudo, tratando-se de contratos com o poder público e, também, levando em consideração o valor teto consideravelmente baixo estipulado no projeto de 1,6 milhões de reais, essa quebra do limite do orçamento acontecerá, muito possivelmente, com bastante frequência, o que merece cuidado e atenção.

6 - Outras alterações para as Sociedades Anônimas (Lei. 6.404/76):

O marco prevê consideráveis alterações que simplificarão as Sociedades Anônimas, dentre elas:

  • Diminuição do mínimo exigido de (2 para 1) de membros do Conselho de Administração;
  • Companhias fechadas com menos de trinta acionistas (hoje são 20) e com receita bruta de até 78 milhões de reais (atualmente o valor máximo é de 10 milhões) poderão realizar publicações de forma eletrônica e substituir os livros por registros mecanizados ou eletrônicos;
  • Inclusão da possibilidade de estabelecer livremente em assembleia, em caso de omissão do estatuto, sobre a distribuição de dividendos;
  • Inclusão da Companhia de menor porte que é aquela que auferir receita bruta anual inferior a 500 milhões de reais e prevê facilitações dessas companhias ao mercado de capitais, como retirando a obrigatoriedade de haver conselho de administração nas companhias abertas e de instalação do conselho fiscal

Conclusão:

O marco legal trouxe mudanças positivas, principalmente quanto à simplificação das Sociedades Anônimas, a previsão de ambientes regulatórios experimentais (sandbox) e garantias expressas aos investidores de startups.

Contudo, pontos importantes e tão aguardados não foram abordados nessa nova versão do projeto, como simplificações tributárias e flexibilizações trabalhistas.

Por fim, a estipulação de requisitos taxativos para as empresas serem consideradas startups limita o que, por natureza, vai contra às características de mutabilidade dessas empresas.

Uma startup é uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza. Eric Ries

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