O sócio não cumpriu o acordo de sócios, e agora?

2/3/22

O acordo de sócios/quotistas é um contrato parassocial, ou seja, é aquele contrato que fixa regras e obrigações externas ao contrato social. Este documento exerce uma função importantíssima na estruturação de uma empresa, já que é o principal instrumento que regula as relações entre os sócios. Já falamos dele aqui, aqui e aqui, além de disponibilizar um roteiro completo.

Bom, mas e se um dos sócios não cumprir o que está previsto no acordo de sócios, o que fazer?

Neste post, eu vou abordar exatamente quais são os efeitos produzidos pelo acordo de sócios e como fazer valer esse contrato.

Bom, já abordei aqui no blog que o acordo de sócios, nas Sociedades Limitadas, é inspirado no acordo de acionistas previsto na Lei das Sociedades por Ações (art. 118 da Lei nº 6.404/76), uma vez que podemos utilizar esta legislação de forma supletiva nas Sociedades Limitadas. Regência supletiva quer dizer que podemos aplicar a Lei da S/A nos casos em que o Código Civil for omisso em relação às questões atribuídas às Sociedades Limitadas.

A Lei da S/A, então, estabelece que se o acordo abordar sobre pelo menos uma das quatros matérias previstas na Lei, que são: compra e venda de ações; direito de preferência na aquisição de ações; exercício do direito a voto ou exercício do poder de controle; e se o acordo for arquivado na sede da sociedade, ele produzirá efeitos específicos. Estes efeitos são a possibilidade de cumprimento forçado do acordo em juízo, que chamamos de execução específica ou, ainda, a possibilidade de cumprimento forçado do acordo pela própria sociedade, sem que para isso seja necessária uma ação judicial, a qual chamamos de autotutela.

Muito embora o acordo de sócios possa ser celebrado com outras finalidades, o entendimento jurídico é de que só se aplicará as garantias previstas na Lei da S/A se o acordo for feito com as finalidades previstas nessa Lei, conforme explicado no parágrafo anterior. Nos demais casos, esses contratos estarão fundados na autonomia de vontade e precisarão respeitar e estarão sujeitas a todas as outras regras do ordenamento jurídico.

Acordo de sócios - Bruna Puga

1. Execução Específica

A execução específica pode ocorrer quando um sócio descumprir alguma das disposições do acordo relativas às matérias citadas acima, quais sejam: compra e venda de ações ou quotas; direito de preferência na aquisição de ações ou quotas; exercício do direito a voto ou exercício do poder de controle. Logo, caso aconteça o descumprimento de alguma cláusula que trate desses assuntos, os demais sócios ou partes do acordo poderão entrar com uma ação judicial ou arbitral para solicitar que o juiz determine o cumprimento do que foi estipulado, sem que para isso seja necessário rever o acordo inteiro.

Lembrando que a execução específica só não será admissível em caso de ilegalidade da cláusula, ou se seu cumprimento for impossível.

Exemplo: Se os sócios estabeleceram no acordo de sócios o direito de venda conjunta (tag along), que é aquele em que o sócio minoritário tem o direito de vender as suas quotas junto aos demais, em condições preestabelecidas, e não há cumprimento desta exigência pelos sócios majoritários, por exemplo, o minoritário prejudicado pode demandar judicialmente exigindo o cumprimento forçado desta estipulação e, ainda, pedir indenização pelo descumprimento do contrato.

Cláusula Tag Along – “Se o(s) Sócio(s) Ofertado(s) não exercer(em) seu Direito de Preferência para adquirir as Quotas Ofertadas, o(s) Sócio(s) Ofertado(s) terá(ão) o direito de exigir que a Transferência das Quotas da Oferta pelo Sócio Ofertante ao Potencial Comprador inclua as Quotas detidas pelo(s) Sócio(s) Ofertado(s) (“Direito de Venda Conjunta”).”
Cláusula de execução específica: “As Partes reconhecem que este Acordo é um título executivo e comporta execução específica, nos termos da legislação brasileira.”

Importante ressaltar que a inclusão da cláusula de cumprimento específico é de extrema importância, principalmente nos casos das Sociedades Limitadas, pois evitará discussões futuras quanto a sua aplicabilidade.

2. Autotutela

Bom, agora, vamos falar sobre a autotutela, que é quando existe a possibilidade de executar o acordo no âmbito da própria sociedade, sem a necessidade de recorrer ao judiciário.

Como assim? Isso pode ocorrer quando, por exemplo, o acordo prever um quórum específico para determinada tomada de decisão e este quórum não for respeitado pelos próprios sócios. Neste caso, o (s) próprio (s) administrador (s) poderá se recursar a assinar ou, se for o caso, promover as alterações no registro da empresa. Porém, caso isso não ocorra, a única saída será recorrer ao judiciário.

A lei (art. 118, §9º da Lei 6.404), ainda, é taxativa quando estabelece que “o não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada”. Logo, neste caso, os próprios presentes, inclusive pela parte prejudica, poderão fazer cumprir está regra.

Vale lembrar que estamos falando de situações expressamente previstas na Lei da S/A e, portanto, não é necessário que o acordo, no caso das Sociedades Anônimas, preveja expressamente essas situações. Contudo, temos que enfatizar que em se tratando de Sociedade Limitada, em que, além da aplicação supletiva da Lei da S/A, prevalece a liberdade contratual, é importante que todas essas circunstancias estejam previstas no acordo.

Resumindo, em caso de aplicação supletiva da Sociedade Limitada à Lei da S/A, a execução específica e/ou a autotutela só será cabível se o acordo versar sobre aquelas quatro matérias previstas na lei e citadas aqui e se for devidamente arquivada na empresa. Contudo, é muito importante que o acordo de sócios preveja com riqueza de detalhes todas essas situações para evitarmos discussões futuras, principalmente no âmbito das Sociedades Limitadas.

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