É possível a aquisição de quotas pela própria Sociedade Ltda. ?

2/3/22

Tanto as Sociedades Limitadas quanto as Sociedades Anônimas podem adquirir as próprias quotas/ações, tornando-se sócias de si mesmas.

Esse entendimento não é unânime entre os doutrinadores, pois alguns entendem que a aquisição de próprias quotas pela sociedade podem ocorrer apenas em determinadas situações e em caráter de transitoriedade, já outros entendem que ela não pode ocorrer pois não seria compatível com a natureza contratual das sociedades limitadas e, ainda, há doutrinadores que entendem ser plenamente possível.

Bom, no meio dessa discussão, o Departamento de Registros Empresariais – DREI, no atual Manual de Registro de Sociedade Limitada, publicado em 2017, autorizou expressamente a possibilidade de aquisição de quotas pela própria sociedade:

Se o contrato social contiver cláusula determinando a regência supletiva da Lei de Sociedades por Ações, a sociedade limitada pode adquirir suas próprias quotas, observadas as condições legalmente estabelecidas, ato que não lhe confere a condição de sócia (Enunciado nº 391 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal).

Sendo a sociedade sócia dela mesma, surgem algumas dúvidas:

  • Quem votaria com as quotas da sociedade? Bom, aqui, temos um entendimento doutrinário (lei omissa) de que, por questão de governança, as quotas pertencentes à sociedade não devem votar, pois, neste caso, os administradores teriam um excessivo e injustificável direito de voto.
  • Como fica a distribuição dos lucros para a própria sociedade? O entendimento doutrinário é de que não pode haver a distribuição de lucros para a própria sociedade por não ter qualquer efeito prático, já que o lucro poderia ser redistribuído entre os outros sócios.

A Lei da Sociedade Anônima (Lei nº 6.404/76 – artigo 30) trouxe expressamente a possibilidade da aquisição de ações mantidas em tesouraria pela própria Companhia, em caráter de exceção, as quais não terão direito a dividendo nem a voto.

Já o atual Código Civil, no que tange às Sociedades Limitadas, foi omisso na tratativa desse assunto. Neste caso, como não há qualquer incompatibilidade jurídica e, como dito anteriormente, há previsão expressa do DREI, as Ltda. poderão adquirir as próprias quotas desde que exista previsão contratual de regência supletiva* à Lei das S/A.

Logo, o recomendado é que o contrato social preveja expressamente a possibilidade de aquisição de quotas pela própria Sociedade LTDA ou, então, preveja a aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas. Contudo, em caso de omissão da disposição no contrato social poderá, ainda, a aquisição de quotas pela própria sociedade ser objeto de reunião ou assembleia com decisão unânime dos sócios.

Neste sentido, é importante que – em qualquer caso – sejam respeitados os preceitos da Lei da Sociedade Anônima em relação à aquisição das próprias ações, devendo está aquisição ser realizada até o valor do saldo de lucros ou reservas devidamente contabilizadas na sociedade e sem diminuição do capital social.

Vale lembrar que o requisito básico para que a aquisição ocorra é que o capital social esteja devidamente integralizado e que a empresa tenha reservas livres para realizar a compra.

Bruna, como acontece essa aquisição na prática?

Como vimos anteriormente, os direitos e deveres inerentes à quota ficam suspensos em caso da aquisição pela própria sociedade, então, na prática, isso acontece quase que na unanimidade das vezes como uma questão transitória e estratégica.

Exemplo 1: Vamos supor que um dos sócios, casado em comunhão parcial de bens, esteja em processo de divórcio e deva realizar a meação das suas quotas e indenizar o ex-cônjuge (já falamos disso aqui). Contudo, caso este sócio não disponha da quantia para realizar a indenização ao ex-cônjuge, então, uma possibilidade, caso a sociedade tenha dinheiro em tesouraria, é que está adquira essas quotas referentes à meação e indenize diretamente o ex-cônjuge.

Exemplo 2: É uma estratégia muito utilizada por empresas que recebem investimentos (startups), ou seja, é uma forma de capitalização a partir da venda das quotas em tesouraria. Quando a quota é vendida diretamente pela sociedade ao investidor há isenção do Imposto de Renda (Decreto nº 9.580/18), o que não acontece se a venda ocorrer do sócio ao investidor, pois neste caso há incidência de imposto de renda sobre o ganho de capital.

Exemplo 3: Caso ocorra, por ordem judicial, penhora das quotas de um dos sócios, a sociedade poderá, por questão estratégica e para evitar mais prejuízos com a penhora, adquirir essas quotas (sem redução do capital social e utilizando reserva própria), podendo, inclusive, prever direito de recompra pelo sócio e pagamento por meio de um empréstimo. Neste caso, inclusive, há previsão expressa no próprio Código de Processo Civil (art. 861).

*Regência supletiva quer dizer que podemos aplicar a Lei da S/A nos casos em que o Código Civil for omisso em relação às questões atribuídas às Sociedades Limitadas.

Ficou com alguma dúvida sobre o assunto? Estamos à disposição, mande-nos uma mensagem!

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